Rio de Janeiro (centro da cidade)
23-30 de maio de 2005
O Rio de Janeiro já não mais faz parte de minha geografia humana. Triste é voltar à Cidade maravilhosa depois da perda de minha irmã Irecê.
Fui direto para o Hotel Novo Mundo, na área do Aterro do Flamengo, onde estavam hospedados outro membros da reunião que teria lugar na 2ª. feira.
O hotel fica ao lado dos bem preservados jardins do Palácio do Catete, em frente ao Pão de Açucar, próximo do conjunto arquitetônico do Império: uma bela amostra do Rio Antigo.
São paisagens de meu imagijnário, de minhas memórias de juventude. Eu era um andarilho incansável, dos dias e noites, numa época bem mais fácil (e segura) de transitar.
Estava acostumado, sabia quais eram as zonas mais críticas, os horários mais adequados. Hoje ando com mais cautela ainda, mas sem a paranoia que atormenta muitos visitantes.
Pela noite tive o prazer da visita de meu amigo César Suypene, que vive nas proximidades. Veio buscar-me para conhecer a primeira cria do casal — a saudável e amigável Julia, com seis meses de idade. A mãe Danielle já está restabelecida do parto, outra vez esbelta e ativa. Tiveram a criança depois de sete anos de matrimônio, preparados para o evento, ao que tudo indica, maravilhoso de suas vidas. Um zelo extremo, uma alegria com a presença da criança sem reclamar das muitas vezes que acordaram durante a noite para atende-la.
Fui à Academia Brasileira de Letras saber do destisno de minhas obras doadas à Biblioteca, por solicitação do bibliotecário Luis Antonio. O amigo Edson Nery da Fonseeca ficou encarregado da definição de uma política de desenvolvimento do acervo, dada a impossibilidade de manter tudo. Além das coleções relativas à produção dos acadêmicos, devem privilegiar a Literatura em geral e a brasileira em particular, a Linguísticas e a Filologia. Já está em exercício a comissão de seleção, da qual faz parte o poeta Alberto da Costa e Silva (que foi o diplomata, na Venezuela, quando eu estagiei na biblioteca do Consulado do Brasil).
Não havia quem atendesse na biblioteca da sede antiga da ANL, no edifício da Exposição de 1922, do Centenário da Independência. Livros antigos e raros dos membros fundadores e de outros mais recentes, em encadernações envelhecidas e não tão bem conservadas. A nova biblioteca ocupa uma área nobre e enorme do 2º. andar do imenso edifício contiguo, construído nos terrenos da ABL, na época de Austregésilo de Atayde, que lhe serve de fonte permanente de instalação. Pretendem inaugurá-la antes do fim do ano, com 40% do catálogo do acervo já automatizado com o software Sofic. Deram prioridade às coleções particulares. Tem 70.000 volumes em total, tarefa para muitos anos de catalogação.
Não foi possível saber por onde andam os meus livros que eu doei, nem previsão alguma de quando serão incorporados, caso tenham sido escolhidos.
O propósito de minha viagem ao Rio era o encontro de especialistas convidados pela FINEP/CNPq para a reestruturação da Tabela de Áreas do Conhecimento.
A reunião foi marcada numa das salas da Academia Brasileira de Ciências, que fica próxima do edifício do antigo Ministério da Cultura, obra de Le Corbusier e Niemeyer, hoje transformado em Palácio da Cultura. Quando trabalhei na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, no início dos anos 80, tínhamos lá uma parte do acervo bibliográfico que não cabia mais no edifício-sede da Avenida Rio Branco.
Quando jovem, cheguei a montara uma exposição de meus poemas visuais — os poegoespaços — entre os pilotis externo do prédio.
É uma área da cidade que eu conheço bem, rua a rua, praça a praça, apesar das mudanças recentes. Nos anos 50 e 60 era vista como moderna, sobre o desmonte do morro do Castelo. Lembro-me que o mar chegava bem mais perto da Igreja de Santa Luzia, agora escondida entre os edifícios. Convivi com o aterramento, durante anos. Começava nas proximidades do Aeroporto Santos Dumont, passava pelo Calabouço, pela Glória, seguia na direção do Flamengo até Botafogo. Caminhões e caminhos transportando terra e pedras do Morro de Santo Antonio.
Houve uma inundação que invadiu todo o centro do Rio (em 1965?). Um rio furioso em movimento, arrastando tudo.
A lama desceu dos morros, entupiu os bueiros e mais de um metro de água tomou a área da Cinelândia, como se fosse a repetição do Dilúvio... Eu fiquei ilhado nas escadarias da Biblioteca Nacional, vendo a enxurrada lamacenta e apavorante que traumatizou a vida da cidade por várias horas e causou muitos prejuízos e transtornos, e algumas mortes. Creio que havia chovido tanto, então pouco tempo!!!
Como eu gostava de andar por aquelas ruas do centro da cidade! Da Lapa ao Aeroporto, da Cinelândia à Praça Mauá, da Praça XV até à estação Central do Brasil e ao Campo de Santana.
Havia sempre o que descobrir naquelas ruelas estreitas e nos morros próximos, como no da Conceição e no Mosteiro de São Bentol.
Eu ficava horas nas livrarias da rua São José, frequentava teatros e associações literárias e artísticas. Mesmo não sendo um boêmio por natureza, gostava da noite, deambulando pelos Arcos, pelo Amarelinho e pelos cafés da Praça Tiradentes, antes da demolição dos Teatros e variedades da ruela das atrações mais vandevilhescas ou pecaminosas (para os padrões morais da época).
Às vezes revejo tudo sem diferenciar os tempos que separam estas experiências de vida: da época dos bondes, dos lotações, do início do metrô, vêm lembranças que confundem e coexistem na memória, sem nenhuma distinção, numa perfeita fusão de significados.
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